sexta-feira, novembro 29

Nazaré

Escreverei com o coração na boca ao amor que me une a esta terra. 

Não é de hoje. Talvez desde o meu terceiro dia de vida, altura que regressei em corpo àquela que foi a terra que me viu crescer durante uns anos, que há algo muito especial que nos une. Sempre o expressei. Sempre me orgulhei. Sempre o mostrei de corpo e alma. E assim o continuarei a fazer.

Aos que nunca lá foram, não vão entender o que vou dizer. Porque a magia das coisas tem que ser vivida para poder ser expressada e entendida. Aquela terra é mágica. As casas todas caiadas a branco transmitem a paz que Deus não conseguiu implementar na terra. Há um enigma em todas as ruelas, estreitas, que transpiram tradição em cada fogareiro deixado à porta, muitas das vezes com brasas que deixam fugir o cheiro a sardinha assada naquelas tarde solarengas de verão em que todos os caminhos vão dar à praia. À praia. Quantas histórias podia tão simples palavra contar? Todos os nazarenos que lerem isto vão entender. Não há refúgio maior que aquele. Não há tesouros tão bem guardados como aqueles que aquela praia guarda. Se ganhasse boca de certo que se inventaria uma nova bíblia. Quantos namoros começaram sentados no paredão da marginal? Quantas aventuras de verão tiveram lugar nas tradicionais barraquinhas à beira mar montadas? Quantas lágrimas se enterraram nas pedras do porto de abrigo? Quantas memórias guarda o farol? Quantos carnavais se viveram ali "àrrebolar"? Quantas noites ali se passaram? Quantos beijos, sorrisos, gargalhadas .. se perderam ao som do mar? O mar. O som do mar. O que seria da Nazaré sem o mar. Há um mistério em cada onda que ali morre. Há uma força inexplicável. Não há mar maior do que aquele, azulão de inverno, translúcido de verão. Há segredo! Lembro-me de acordar naquele que era o meu quarto na urbissol e vislumbrar as tempestades de inverno ao longe, lá no fundo; acho que foi mesmo aí que me apaixonei para a vida pelos raios e chuviscos a atacar a imensidão daquele mar que via da janela. Também aquela casa é mágica.
Aquele cheiro a maresia é inconfundível. Penso que todos os amantes do mar deveriam ter o luxo de poder viver aquele cheiro todas as manhãs. 

E por falar em amantes do mar, quem é que conseguiu viver a infância sem comprar uma prancha de bodyboard de esferovite? Como me lembro de comer areia às colheres com o meu irmão nos quebra-côcos gigantes para o nosso tamanho onde nos enfiávamos sem quase saber nadar. Não sei como ainda estou aqui para contar esta história e com os dentes bem de saúde.  Aquelas tardes até ser noite, de lábios roxos da gélida água onde o sol se punha no cantinho do promontório, raiando a vila de uma cor dourada que a tornara mais bonita ainda, de bola de berlim na mão - que era única maneira da mãe nos arrancar da água -, serão para sempre inesquecíveis. 

Não sou nazarena de raiz, mas sou de alma e coração. Lembro-me da minha ama. Estas fotos não me fazem esquecer dela. A dona Manuela, tratava-me como uma filha, dela e da terra. Vestia-me a rigor: sete saias e brincos de ouro. Quantas terras em Portugal vestem a tradição desta maneira no dia-a-dia? Quantas terras se amam pela pronuncia que têm? Que saudades! Que saudades de ouvir o entoar daquele "óh môr.. que vames fazere hôje? Brincar ná âreia e vere o már? Ou vames à batel comer um barquilhêre de chocolate?". Era uma princesa nas mãos daquela mulher! Como qualquer pessoa será nas mãos de uma nazarena. Não há raça como aquela! Amor por quem pratica o bem, ódio no corpo a quem quer o mal. E tenham cuidado que ódio no corpo pode querer significar muita coisa. 

Enfim.

Por tudo isto é que fico triste agora. A Nazaré é o orgulho de quem lá morra desde que me lembro. A Nazaré nunca deixou de ser linda como sempre a vi, sempre esteve à beira mar plantada, com um mar inexplicavelmente diferente de todos os lugares do mundo que tive até hoje o prazer de conhecer.
Quantos homens de trabalho nele morreram, desbravando as ondas a remo para pôr o pão de cada dia nas mesas das famílias que preferiam não pensar na fome que sentiam, dada a angustia vivida em cada noite em branco sem saber se voltariam a ver o amor das suas vidas ou o pai dos seus filhos? Quantos bodyboarders locais desbravaram a praia do norte a braços e voltaram a terra, sem nunca serem reconhecidos pela sua semi loucura, num único telejornal português? Quantos depositaram a sua vida na paixão que os une à adrenalina? Passou esta terra de um dia para o outro de uma sombra em que nunca viveu para o esplendor que há imenso tempo tinha, porquê? 

Triste não, com uma certa mágoa feliz. Feliz porque esta terra está agora onde devia estar à muito tempo, nas bocas do mundo. Nunca seria preciso vangloriar um Americano, com todo o respeito e admiração que lhe tenho - e garanto -, se vivêssemos num país com amor próprio. Amor às suas gentes, ao seu povo, às suas tradições, à sua beleza, à sua ESSÊNCIA. Isto é apenas um exemplo de um dos segredos que estava escondido. Olhemos à volta! Quais mais haverão assim por descobrir?


Patrícia Luz
29 de Novembro de 2013

curioso, escrevi primeiro o texto e só depois vi este video:

Conselhos:
- Á parte das ondas, venham experimentar o melhor Carnaval (http://www.youtube.com/watch?v=LR9V0UeABHg); À parte das ondas, venham viver uma passagem de ano em cheio; À parte das ondas, venham comer bem e beber bem.








3 comentários:

  1. Só fui uma vez na vida à Nazaré e ao ler isto apeteceu-me lá voltar! Quem me dera ser nazarena para agora poder encher o peito de orgulho ao ler as tuas palavras. Muito, muito bom. :)

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  2. Adorei! Adorei a forma como descreves a Nazaré, mesmo não sendo nazarena de raiz; como descreves realmente tudo aquilo que mais apreciamos na nossa terra, que já é um pouco tua também... :')

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  3. Obrigada Ligia! :) Isso para mim é um grande elogio! É bom saber que cheguei até vós :)

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