quarta-feira, abril 9

Situações Constrangedoras - parte I





Foi numa urgência que o coração de um familiar próximo a atirou para os corredores de um hospital que nunca antes visitara. E foi esse mesmo coração que a fez sentir o cheiro a álcool esterilizante de que já não se lembrava, por mais umas quantas vezes naquele corredor sem fim que passara agora a visitar com alguma frequência, ainda que por pouco tempo, felizmente. 

É usual a forma como se movimentam aqueles que ali passam e trabalham: atarefados, uns apressados, outros menos; uns de cabis baixo pelas más noticias que recebem, outros felizes por passear o carrinho do novo membro da família que foi pela primeira vez ao médico. Alguns ansiosos ocupando os lugares vazios da sala de espera, aguardando a sua vez. E depois ela, que se sentava ali a ocupar o tempo, enquanto esperava que aquele coração que ali a levara saísse de saúde do gabinete 29. 

Enquanto isso lia o livro electrónico de que se faz acompanhar para todo o lado. Parando entre capítulos, apreciava os pés que em seu torno passavam em vários compassos. Retomava a leitura, distraindo-se milésimas vezes daquelas palavras cativada por sorrisos de crianças que a desafiavam, pelo choro agudo do sofrimento daquelas que ali entravam por piores razões, pelo nome que era finalmente chamado pela enfermeira para visitar o doutor, pelos idosos a quem oferecia o seu lugar...  mas principalmente, pelo rodar da maçaneta da porta que anunciava a bata azul escura da qual não sabe nada, a não ser que os buracos deviam existir para nos enfiarmos quando há olhares que se cruzam sem querer.

Graças a Deus que existem os telefones. Não há buraco melhor que nos acompanhe onde possamos enfiar os olhos quando isso acontece. Fê-lo. Como a maior parte das pessoas que não sabem onde se enfiar fazem quando isso acontece. 

Mergulhou nas palavras de novo. Mas só com os olhos, porque almas distraídas não sabem ler. Enquanto isso, em passos apressados, passara-lhe pela frente, mostrando-se atarefado com o seu trabalho.

 De costas podemos sempre deixar os constrangimentos de parte. Levantou a cabeça e viu-o sumir no fim do corredor enquanto ouvira o cardiologista desejar as boas tardes apertando a mão daquela que era a razão da sua permanência ali. «Vamos, por hoje está tudo!»

E estava realmente tudo. Agarrando apressadamente tudo aquilo de que se fazia acompanhar, era a sua vez de sumir naquele corredor sem fim, mas em lado contrário, o da saída. Em voz de fundo contavam-se as novidades dos últimos exames médicos. Talvez devesse ela prestar atenção à única razão que a tinha levado até ali, mas naquele momento havia a tentação de poder olhar uma última vez para trás na esperança de que o destino lhe provasse que foi apenas um momento. Sem repetições. 

Mas não foi.
Houvessem buracos à sua espera de cada vez que a maçaneta daquela porta se abrira. De todas as vezes que lá teve de voltar.


Felizmente as idas ao hospital terminaram. Não fosse o cardiologista ganhar uma nova paciente. 


Situações constrangedoras - Parte I
Patrícia Luz
8 de Abril de 2014


















Sem comentários:

Enviar um comentário