sábado, agosto 11

Sobre a Amizade

Eu não sou a melhor amiga do mundo. Aliás, eu não sou a amizade mais assídua do mundo, corrijo. Quero relembrar isto a todos os meus amigos do coração, porque de certeza que vão concordar comigo. 
Eu vou estar meses sem dar sinais de vida e provavelmente só irão saber algo acerca de mim depois de já ter dado uma volta de trezentos e sessenta graus e feito o pino vinte vezes sozinha, sem eu própria saber como. 
Eu não vou mandar mensagens dia sim, dia não, a saber se a vida lhes corre a preceito, como foi o dia de trabalho, como está a relação amorosa do ano ou se o piriquito que compraram a semana passada ainda é vivo. 

Não. 

Eu não sou o tipo de amiga de conveniência com quem só se sai à noite. Ou só se vai ao shopping. Ou só se liga num final de tarde de Domingo, porque nenhum dos mil duzentos e trinta pseudos-amigos de alguém não estiveram disponíveis naquele momento. Não sou, nem quero ser, a amiga que interessa ter por perto, só porque... interessa. 

Eu sou a amiga que estará lá independentemente do que quer que seja, à distância de um simples "anda cá". 

Eu tenho uns cinco ou seis amigos que me conhecem como a palma das suas mãos. E que já não me cobram ausências porque sabem que eu estarei sempre lá quando for preciso. Sabem que eu estarei lá, antes de me avisarem que é preciso. Eu estarei lá, quando mais nenhum dos seus outros amigos estiver. E estarei lá a ferro e fogo. A lutar por si como se fosse por mim. Seja por que razão for. Seja como tiver que ser. À distância de um simples "anda cá". 

Porque os meus amigos, ou são ou não. 
Não fui feita para meias amizades. Para quase amizades. Para pseudo-amizades. Para amizades da TRETA. Porque isso são tudo... menos amizade. 
Tanto não fui, que comigo ou é ou não é. Não há espaço para meios-termos. Porque para ter meios-amigos, prefiro não ter. Prefiro correr o mundo sozinha. Prefiro dar uma volta de trezentos e sessenta graus as vezes que forem necessárias para aprender pela minha própria cabeça a errar e a resolver os meus problemas, a divertir-me e a lidar com a tristeza, a sofrer ou a deixar de o fazer. Prefiro falar com as paredes e ouvir o meu próprio eco, a ter amigos de merda, passo a expressão.

A amizade é um conceito dúbio. Cada um tem a sua noção, os princípios por que a regem para sí mesmos, aquilo que mais valorizam em cada uma delas. Normal! Somos humanos. Somos diferentes.

 E aquilo que eu mais valorizo nas minhas, são coisas simples o suficiente para serem essenciais: Lealdade, honestidade e confiança. Simples o suficiente para ter apenas cinco ou seis amigos. Complicado o suficiente para não ter mais do que cinco ou seis amigos.

Não espero nada menos do que aquilo que dou aos outros: Lealdade, honestidade e confiança. Mas isto, eu espero mesmo, com unhas e dentes.

Ser amigo tem muito que se lhe diga. Aprendi que nesta vida temos dois de verdade, o nosso pai e a nossa mãe. E que também eles, estejam onde estiverem, estão sempre à distância de um "anda cá". E depois temos os outros, que à medida que o tempo passa e cujas provas vão sendo dadas, vão crescendo neste barómetro de sentimentos que nos faz gostar mais, ou menos, de alguém. Confiar mais ou menos em alguém.

É quase como um duelo bilateral. O esticar de um elástico com todas as forças do mundo, em que o primeiro a largar, a falhar, a errar, vai magoar o outro.

O objectivo das amizades não é magoar ninguém. Não é esticar o elástico com a finalidade de o largar a seguir. Acho eu, na minha reles e singela opinião. E é por isso que não se fazem amizades de um dia para o outro.

O objectivo das amizades não é dar uma palmadinha nas costas e dizer o que os outros querem ouvir. Não é ser a almofadinha de encosto quando não há mais ninguém. Ser amigo é muito mais do que isso. É ser frontal, é dizer a verdade, é dar opinião tal e qual ela existe dentro de nós. É falar quando algo não está bem. É não falar quando tudo está mal e substituir as palavras pelo maior e mais apertado abraço do mundo. É estar lá na saúde e na doença. É enaltecer as vitórias dos outros. É dar-lhes as mãos cruzadas para que apoiem o pé e saltem mais alto! É esquecer coisas da treta. É não ser orgulhoso. É saber agradecer e, mais do que isso, pedir desculpas. É ser-se fiel - assim como os cães são com donos, estão a ver? -, é ser-se honesto.... mas mais importante que isso é ser-se confidente. Eu creio até que o alimento e sustento de uma amizade é o poder da confiança.

E encontrar alguém confidente, é difícil nos dias que correm. Quase impossível.

Os meus amigos do coração estão sempre comigo, mesmo que eu não esteja com eles. E no dia em que precisarmos de ir à luta juntos, eu sei que eles sabem que estarei vestida dos pés à cabeça por eles e pronta para a guerra. Porque sou tudo aquilo que eu desejo que os meus amigos sejam para mim também.

Eles sabem descobrir o olhar triste por trás do meu sorriso, a minha ansiedade por trás da minha confiança, a minha angústia por trás da pessoa forte em que me tornei. Simplesmente porque me amam tal e qual como sabem que os amo a eles, como eu sou, como eu sou para eles.

A amizade é o amor mais bonito que existe no mundo. Múltipliquem só as de verdade.

Patrícia Luz
11-08-2018


quarta-feira, agosto 8

Alentejo | Uma viagem para os ignorantes


Se há coisa que sou, é suspeita. Mas mais do que isso sou grata. Muito!
Sou grata por ser uma simples miúda de Portugal, cujos pais nasceram e construiram o seu património com grande dedicação, esforço e trabalho, em quatro dos lugares mais bonitos do nosso país - atreveria-me a dizer do mundo - e me tornaram assim uma cidadã nacionalista dos pés à cabeça.
Podia até querer sair daqui. Mas porquê faze-lo, se tenho o paraíso debaixo dos pés? 


Quando me perguntam de onde sou, eu tenho alguma dificuldade em responder, confesso.
Eu quero ser dos quatro lugares que me viram crescer, porque tenho um orgulho enorme no peito em ser de cada um deles. E sou.
Contudo, se pudesse nascer de novo, eu queria ser Alentejana 100% de origem (sou só a 50%).  
E é exatamente por isso que vos quero trazer um bocadinho do meu pedaçinho de Alentejo aqui.


Aquela estúpida noção das pessoas com a mente literalmente fechada e mediocre, acha que o alentejo é apenas aquele lugar de cearas sem fim com casas perdidas na imensidão do vazio. Aquele sitio onde só os leigos seres permanecem. Onde nada acontece. Aquela região que apenas serve para separar os doutores de fato e gravata dos doutores de calção e chinelo no pé - se é que me faço entender -, que por ali passam a cento e setenta quilómetros hora na auto estrada, sem nunca se darem ao luxo de parar para apreciar essa parvónea, como muitas vezes lhe chamam sem que nunca lá tenham ido.

Eu quero falar do Alentejo pelo que ele é efetivamente. E se proventura for um doutor de chinelo no pé que nunca parou para olhar com olhos de ver, convido-o para se sentar aqui, diante do que vou escrever a seguir.

Os alentejanos moram em casas. Assim mesmo. Com quatro paredes que se encontram sempre caiadas de branco como se tivessem sido acabadas de pintar. Se a pintura não estiver no ponto, é porque os braços do trabalho árduo de uma vida já não permitem que quem lá vive a pinte ou, porque a ausência por motivos alheios (de que posso falar um dia mais tarde), tenha feito com que o tempo não a mantivesse como quem lá vivera gostaria de a manter sempre.
Este é um dos factores que o distingue, especialmente por, desta forma, vocês da auto estrada consigam ver as casinhas bem lá ao longe, pois a maior parte delas tem sempre um brio encantador.

Esta região tem água e luz. Para quem acha que não, convém relembrar que, inclusivé, tem no seu território a maior barragem da Europa e teve durante alguns anos a maior central fotovoltaica do Mundo. Isto porque por vezes ouvimos perguntar "És do Alentejo? Então e moras onde, numa casa?". Calma, os alentejanos não moram no estábulo das vacas que tanto se passeiam pelas suas planicies. São mesmo pessoas normais, muitos deles simples o suficiente para não evidenciar o bem mais precioso que qualquer um de vós gostaria de ter, mas ainda não sabe: Uma casa no Alentejo.

As pessoas são trabalhadoras ao contrário do que muitos pensam e de outros que se deixam iludir pelos rótulos de preguiça que lhes foram atribuídos.
Enquanto muitos de vós estão no quinto sono, a maior parte delas já está a caminho do campo.
Talvez poucos saibam como eles, a sensação de amanhecer rodeados de amarelo e/ou verde, a varejar as oliveiras que vos dão o orgulho de termos azeite premiado por aqueles que dão valor ao que é nosso ou a ceifar os cereais que vos colocam em grande parte o pão na mesa, muitas vezes até ao sol se pôr.



Eu quero falar-vos da luz doirada do Alentejo. De como é diferente de todas as outras. De como nos aquece a alma, seja verão ou inverno. 
Se a luz das manhãs é inspiradora, a luz das tardes... é vida. É oiro que paira no ar.

E por falar em ar! Respirar no alentejo é uma benção. E se ainda não a têm, corram para lá!

É saber o cheiro do antigamente. Aquele que os nossos avós nos ensinam ser o verdadeiro. O que já vinha dos seus pais e avós.

O cheiro do pão, do peixe acabado de chegar à lota, das estevas junto à praia, dos campos de girassóis, da palha acabada de cortar, dos cavalos que andam à solta, da carne de porco preto grelhada, da açorda acabada de fazer, do mar(!), da praia, dos limos que dão à costa na Ilha do Pessegueiro, do peixe grelhado nas travessas de Porto Côvo, dos tomates rosa, dos pimentos verdes da horta, dos caracóis naqueles finais de tarde abrasadores da cidade de Moura, do vinho de Reguengos. O cheiro da massada de peixe, das sopas de cação, dos torresmos, da moreia frita, dos percebes, do marisco em geral, do presunto (...), ficaria aqui eternamente a sonhar com todos os cheiros e sabores que me vêm à memória, como sendo aqueles, dali, daquele bocadinho de terra onde não existe nada de bom aos olhos dos outros, a não ser, algumas das melhores coisas do nosso País.

Eu quero também falar-vos da cultura e quero falar-vos de arte.

O espirito acolhedor dos que lá vivem, não permite que ninguém de lá saia sem o coração quente. É possível que não haja cama para a vossa visita inesperada, mas certamente haverá chão suficiente para que um alentejano se deite de modo a ceder-vos a cama dele. Ele pode até não ter a roupa do último grito da moda, mas terá sempre uma camisola para despir e para vos dar numa noite menos quente.
Tristezas? As tristezas ficam à porta, lá naquela plaquinha que não vos deixou indiferentes na auto estrada por onde passam, por vezes, um pouco mais devagar.

O povo alentejano é alegre. É alegre porque canta. Canta até as suas tristezas e amarguras. Canta sozinho, canta em grupo, canta em familia, canta com amigos. Leva a cantar até os que não são de lá. O povo alentejano canta orgulhosamente a sua essência. Há coisa mais extraordinária do que isto?

O povo alentejano é perserverante. Porque fazem magia sem varinha de condão.
E conquistador, não fosse o Vasco da Gama de Sines!


Não vos quero falar de paisagens, porque isso talvez seja o que, apesar de tudo, ainda vos faz distinguir esta região das vossas, das outras. Mas tenho que vos falar das praias. E perdoem-me o alongar deste texto, mas não tenho culpa das vantagens que preciso de vos apresentar.

Se há coisa de que não tenho dúvida nenhuma nesta vida é o nome das minhas praias favoritas.
E das quatro que tenho, duas delas - as primeiras - são Alentejanas. As praias Alentejanas são, para mim, as melhores do país por todas as razões e mais algumas - e, sim, eu vivo no Algarve.

As praias mais pequenas podem até estar a rebentar pelas costuras, mas a civilização das pessoas que frequentam o Alentejo, é diferente, diria que, especial. Raramente se ouvem crianças a berrar e pais aos gritos por cima delas. Sei lá, não há ruído, há um murmurar tão bom entre as pessoas que permitem que o mar seja a música de fundo. Afinal de contas, esse é o objetivo de ir à praia, não é?

A sua envolvência selvagem faz-nos esquecer que vivemos no século XXI, especialmente porque nas melhores de todas, aquelas que eu tenho como preferidas, nem quase há rede no telemóvel para nos lembrar disso. A areia dourada e as suas águas translúcidas fazem-me crer que sejam tão boas quanto as caraibas, mesmo sem que nunca lá tenha ido.
Há quem se queixe da temperatura, mas verdade seja dita, para tomar banho de banheira e esquentador, existe sempre ali ao lado a praia de São Torpes para solucionar esses casos estranhos de quem vai à praia e pensa que se está a dirigir ao WC de sua casa.

É possível jogar à bola ou raquetes sem fazer o vizinho do lado comer areia às colheres, mergulho e pesca submarina sem que se mate alguém que teve a mesma ideia, surfar ou fazer bodyboard com ondas de verdade, fotografar nos mais infimos cenários maravilhosos que existem dentro ou fora de água ou simplesmente descansar. Assim, só mesmo não-fazer-nada e ter paz de espirito num raio superior a cinco metros!



Só para terminar, podem por favor deitar-se numa noite de verão em cima de um fardo de palha e olhar para o céu? O Alentejo encomendou as entrelas mais bonitas da galáxia para habitar os seus céus.

Isto tudo para dizer que eu amo de coração o Alentejo. Que ir para lá é como receber uma lufada de ar fresco num dia como o sábado passado em que mal se respirava com tanto calor.
É apagar o resto do mundo e contentar-me com o pouco que é tanto.
Porque lá, não há mal que sempre dure. Nem caminhos bons o suficiente para quem apenas anda na Auto-Estrada.

Um beijinho,
Patrícia Luz