sábado, agosto 31

No parapeito da minha janela para Lisboa



Bateram as seis horas. 
O calor de mais uma tarde de Agosto doirava os céus da cidade de Lisboa. 
Embora se sentisse uma certa calma justificada pela ausência da maior parte dos citadinos habituais para o seu período de férias, a azáfama da hora de ponta fazia-se notar. 
Os aviões não davam tréguas aos céus. Minuto sim, minuto não, cruzavam-se partidas e chegadas pela janela daquele quarto de hotel localizado no décimo piso.
Lá fora, ecoava o barulho do trânsito. Pára, arranca. Pára, arranca. Carros, motas, buzinadelas. 
O barulho dos aviões contribuia para a sinfonia. 

Do lado de cá, havia calma. O sol beijava o edredon branco do quarto e a luz era sobretudo inspiradora, evidenciando algumas sombras, entre elas, as dos aviões que passavam.
Foi assim que ela se deixou cair como um peso morto sobre a cama depois de mais um dia de trabalho. Ás vezes, é necessário parar. Às vezes é necessário parar, assim mesmo, no meio do caos. 



O sol baixava. E o ar quente da rua chamava-a. 
Nem trocou de sapatos. Foi assim mesmo. 

Pelas ruas, cada pessoa na sua vida. Umas atarefadas, outras de telemóvel apoiado no ombro a colocar a conversa em dia com quem estava do lado de lá da linha telefónica, enquanto carregavam sacos de compras; muitos a correr para não perder o metro. E ela: que no seu compasso, subia a avenida em direcção ao Parque Eduardo VII, observando os raios que penetravam a folhagem das árvores, dourando-lhe a face.
Apesar do barulho, havia silêncio. 

Talvez não devê-se lá ir, mas por tantas vezes foi aquele o palco da sua tranquilidade, que não havia mais lugar nenhum na cidade a fazer jus àquilo que queria sentir naquele momento. Paz.  

Sentou-se no parapeito daquela montra para a cidade e deixou-se ficar por tempo indeterminado a observar o que a rodeava. Não sei quanto tempo foi. Porque ela também não. 




Vários idiomas eram barulho de fundo, a par e passo com a sinfonia que vos descrevera anteriormente. Fotografias sem fim iam sendo tiradas, por todas as pessoas que ali passavam: famílias inteiras, grupos de amigos, casais apaixonados, bloggers e influencers, fotografos profissionais, fotografos amadores, pessoas sós, pessoas novas, pessoas velhas, pessoas que nem tão pouco sabiam tirar fotografias. Todos que por lá passaram, por lá pararam. 

Lá em baixo, crianças rebolavam-se na relva com a inocência própria da idade. Cães corriam desalmadamente para compensar a liberdade que não tiveram claramente durante todo o dia. 

Cima abaixo, marcavam compasso várias pessoas que aproveitavam o final de tarde para pôr o treino em dia. Circulavam, ao seu lado, bicicletas e tortinetes alameda abaixo, alameda acima. 

Nos bancos laterais, namorados beijavam-se de um lado, namorados discutiam do outro. Todos acabaram o dia envoltos num abraço. Como deveria ser sempre. 

Havia quem bebesse um copo. Quem fizesse video-chamadas para o outro lado do mundo. Havia quem, como ela, estivesse simplesmente simples (sim, simplesmente simples) a aproveitar o momento. 

Verdadeiramente, não havia paz nenhuma. E foi aí que ela entendeu, que a paz parte de dentro de cada um de nós.



Os aviões não davam tréguas. Minuto sim, minuto não. Lá iam. Lá vinham. 
Em alguns momentos desejava ir dentro de um deles. Foram tantas as viagens pensadas nos últimos tempos. Nenhuma se cumpriu.

O céu apurava as cores do pôr do sol. Um degradê entre o azul e o laranja pintavam o céu nas suas costas, enquanto uma paleta de cores pastel ganhava lugar diante dos seus olhos.
A temperatura teimava em não baixar. A noite chegava.

Aos poucos, acendiam-se as luzes da cidade e, na rotunda do Marquês, as vidas de cada um iam tomando o seu rumo. Uma roda viva de vida circulava ali. 
A Avenida da Liberdade ganhava a magia que o rio por cima dela reflectia. E o castelo de São Jorge, bem... o castelo de São Jorge, por lá ficava, como sempre, a completar a moldura. 

Era tempo de agradecer. Agradecer o momento presente. O tempo sem pressas.  
Deixou de ouvir o som da cidade por instantes e, compenetrada colocou os fones nos ouvidos ao som da Raquel. Trouxe para sempre consigo uma das melhores fotografias que a vida lhe deu.  

Vieram-lhe à memória outras recordações. Mas rapidamente a música lhe lembrou o quanto as memórias boas merecem ser guardadas num lugar feliz no nosso coração.

Sorriu ao olhar o Parque Eduardo VII pela última vez.


Há lugares mágicos. Não há?
Este é dos meus favoritos. Também é dos favorito D'Ela. 

Até breve, parapeito da minha janela para Lisboa. 

Um beijo, 
Pat




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