«Prefiro errar sendo fiel a quem sou, do que acertar não sendo eu», em A Persistência da memória de Daniel Oliveira
Perdi-me. Perdi-me em ti porque me tinha encontrado. Sabes, as pessoas perdem-se muitas vezes umas nas outras na esperança de se encontrarem. E encontram-se muitas vezes no intuito de se perderem em alguém. Ou por alguém. Foi o meu caso, penso eu. Não sei bem. Não sei bem porque nunca me considerei uma "sem norte à terra"; os meus pés sempre pesaram chumbo. Vivo o que vejo, não o que imagino. Daí não me fiar em palavras rasas que enchem de ilusões corações que preferem verdades absolutas - que no amor, na paixão, ou no que lhe quiserem chamar, é coisa que vai deixando de existir, se é que alguma vez existiram, eis a questão.
A minha vida nunca me deixou perder muito tempo com coisas desinteressantes, coisas essas onde incluo não só coisas, mas pessoas a que prefiro não dar esse nome. Porque para mim pessoas, são pessoas interessantes. E tu eras (és) pessoa de corpo e alma. Eu disse-to. Eu repeti-o. Eu mostrei-to. Dei-me a esse luxo, a que agora prefiro chamar erro. Errei sempre com as pessoas que considero interessantes o suficiente para me fazerem perder o norte. Errei sempre em ser fiel a quem sou. Aliás, em mostrar demasiado isso.
Tens toda a razão.
Aliás, não tens razão nenhuma. Houvessem mais pessoas como tu, era o que no fundo me querias dizer.
Existem dois tipos de inícios numa relação, que pode nunca chegar a ter inicio, se é que me faço entender. Aqueles em que as duas pessoas se desejam sofregamente, a que chamamos paixão. E aqueles em que uma começa por ter uma empatia e nunca se sabe o que esperar da outra, a que podemos chamar muita coisa. Nomeadamente: inicio de um desamor, inicio de um quase-amor, inicio de um jogo de ping-pong - "tu és minha e eu não sou teu, mas podemos ir sendo um do outro se deixares" - ou, simplesmente, uma coisa sem nome, a que vão chamando "sexo sem compromisso" -eu prefiro chamar-lhe "tirar a barriga de misérias" (ou enche-la delas, na maior parte dos casos). Adiante.
Não tenho tempo nem paciência para estas tretas! Para mim é tudo mais simples: as pessoas ou gostam umas das outras, ou não gostam. Se gostam devem mostrá-lo - é aqui que temos o caldo entornado, acreditem!-, se não gostam têm bom remédio, não se dêem a esse trabalho. A ilusão é uma coisa feia. Tão feia quanto a mentira ou a traição. Dói quase na mesma medida quando morre em realidades.
O amor dos nossos dias é estúpido. Amor não é a palavra certa. Traduzam-me em palavras as primeiras borboletas no estômago que todos sentem, é aí que quero chegar.
Porque há-de uma pessoa fazer-se difícil para aquela que mais quer deitada na sua cama a fazer-lhe cafunés ao sábado à noite, quando sabemos que o que ela quer é deitar-se connosco também? "Para dar pica". Entusiasmante, mas estúpido. Porque é que se hão-de adiar os "eu gosto de ti" se se gosta mesmo naquele momento? "Para não assustar as pessoas". Verdade, mas estúpido. Porque é que deixamos os bilhetinhos para uma altura em que podemos dizer as coisas no ouvido, em vez de os usarmos nas alturas em que todas as palavras ditas fazem mais sentido? Primeiro porque as pessoas hoje em dia não estão habituadas a receber bilhetinhos, segundo porque podem correr o risco de um "Bom dia" soar a um "Fica comigo para sempre" e terceiro porque já pouca gente corre o risco de dizer o que sente. Vamos escrevendo por aqui e por ali, directa ou indirectamente, na esperança que as palavras cheguem a quem devem chegar, na quase certeza de que chegam mesmo - senão não o escreveríamos certamente -, aquilo que queremos que elas saibam sem nunca o dizermos. Estúpido? Verdade. Olhem para mim aqui.
Se não, quantas pessoas tem coragem de vos olhar nos olhos? Quantas pessoas marcaram um encontro só para vos dizer "Eu gosto de ti com todos os defeitos que tens chapados na cara". Quantas pessoas acordaram de manhã para vos deixar um "Bom dia!" colado na porta do carro antes de irem trabalhar? Quantas pessoas vos quiseram ver bem quando nem vocês sabiam bem como eles estavam naquele momento? Quantas pessoas tiveram a coragem de vos dizer o que mais ninguém diz? Quantas pessoas se preocuparam primeiro com o vosso bem estar, quando no fundo vocês eram o bem estar delas? Quantas pessoas vos vão abraçar e desejar sorte quando acreditam que a vossa sorte está ali, a fugir-vos dos braços naquele momento?
Poucas.
Talvez erre tanto em dizê-lo como em fazê-lo.
Aprendemos que as atitudes ficam com quem as pratica e que o amor (ou qualquer outro sentimento entre duas pessoas) não se compra assim. Aliás, o amor não se compra: o amor são as próprias atitudes. E se elas não chegam para que as pessoas se gostem na mesma medida é porque efectivamente não nasceram para se encontrar dessa forma. Ou talvez tenham nascido, mas não naquela altura ou naquelas circunstancias.
Quem sabe? Ninguém.
Além de estúpida, sinto-me bem. Descansa.
A vida continua...
(ouviste? A vida continua...)
Patrícia Luz
16 de Dezembro de 2013