sexta-feira, outubro 31

«Halloween»


Vou recuar cerca de dezasseis anos no tempo para vos recordar das memórias boas que tenho desta época comemorativa.

Se há coisa de que não me consigo esquecer é do brilho nos olhos do meu irmão. Temos dois anos e meio de diferença e por isso nessa altura eu olhava-o de cima para baixo; lembro-me como se fosse hoje dos olhos grandes dele, castanhos, a sorrir de felicidade por este dia. Aliás, não por este, mas pelo de amanhã, 1 de Novembro, «Dia de todos os Santos».

Todas as manhãs desse dia eram de sobressalto. O Gustavo saltava em cima da minha cama enquanto exclamava em êxtase «mana acorda!» com medo que os doces de todos os vizinhos da pequena vila onde vivíamos fugissem para todas as crianças que acordavam cedo pelo mesmo motivo.

Pegávamos nas sacas do pão, bordadas pela minha querida avó para o efeito, e lá íamos os dois, de mão dada – acho que era a única altura em que o meu irmão me aceitava dar a mão –, porta a porta, cantando «Tia pão por deus à mangarola, Saco cheio vou-me embora» e amealhando os doces para o ano inteiro seguinte.

Mais do que o Natal, a Páscoa ou o Carnaval, este dia era tão especial para nós. Chateados por quem nos dava moedas em vez de rebuçados, e bolos em vez de gomas, eramos os melhores amigos durante aquela manhã em que os nossos olhos luziam para cada pessoa que nos esperava do lado de lá da porta que nos abria.

Debruçávamo-nos curiosos sobre a sacola que a pouco e pouco ficava pesada, dados os metros e metros andados e a quantidade de portas a que batíamos.

A minha mãe escondia-se nas ruas, sempre de olho em nós, mas uns passos mais atrás. Por vezes corríamos para lhe trocarmos as voltas, quando ela achava que não a estávamos a ver. 

Toda aquela manhã era um misto de emoções. Chegar a casa e dividir os doces era uma tarefa que punha à prova a nossa amizade até então. Mas no fim lá nos entendíamos. Pelo meio contávamos à avó de quantos cães fugimos, quantas portas nos fecharam e quem eram as velhinhas mais simpáticas, feias, queridas, parvas (…) – aquelas coisas que todas as crianças reparam – da vila.

O «Dia de todos os Santos» fazia-se em bom português. Era uma tradição.

Hoje, os doces ficam do lado de lá das portas, que já não se abrem.
O dia mais feliz do ano para nós, morreu (tem vindo a morrer).
E infelizmente não foi apenas porque ambos crescemos.


Patrícia Luz

 31 de Outubro de 2014


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