Eram umas oito da noite e começava a haver um ratinho no estômago a pedir-lhe comida.
A hora mudou e felizmente já é dia.
Dores de cabeça depois de uma segunda-feira preenchida o suficiente para se ter esquecido de pôr algo a descongelar para o jantar.
Esta coisa de uma pessoa se tornar adulta não tem piada nenhuma.
Se ninguém se lembrar por ti da roupa na corda, ela fica lá a ressequir ao sol... e com sorte comes ovos mexidos se pelo menos isso tiveres tido o cuidado de garantir no frigorífico.
Ninguém sabe a que horas saíste, ninguém te garante o acordar se o despertador falhar, muito menos o jantar se te tiveres esquecido que jantar é importante no meio de tantas coisas mais importantes que tens para fazer.
Ninguém merece crescer. Ninguém merece não ter ninguém que se preocupe.
Trocou os saltos altos por umas botas rasas e confortáveis, o blazer por um casaco casual e lá foi jantar fora e a pé. Só para ter a certeza que os pés ainda tem coragem de pisar o chão depois de tantas horas sentada em frente a um ecrã que muito diz, mas nada fala.
Anoitecia. O vento frio do final de tarde fazia-lhe esvoaçar os cabelos enquanto descia a rua num andar firme e determinado. Por isso, apertava o casaco com as mão junto ao pescoço para não se constipar. Abril já não é o que era. E ela também nunca mais será.
Malinha a tiracol e uma massa de frango na cabeça. Nada mais a preocupava.
Sozinha.
Decidida, fez o pedido; "Uma massa de frango pff, se possível com pouco azeite, Obrigada".
Já lá vai o tempo em que nada lhe fazia mal.
Depois de equipar o tabuleiro com os apetrechos básicos de jantar e efectuar o pagamento, sentou-se numa mesa ao fundo da sala a aguardar a vez da senha do seu pedido. Vários números iam sendo chamados, várias vozes iam sendo ouvidas em tom de fundo. Famílias, trabalhadores vindos directamente dos seus empregos, alguns idosos, algumas crianças a correr pela sala e ela, que se esqueceu simplesmente de pôr algo a descongelar.
Assim que se senta, há uma sensação estranha de ser observada de alto a baixo. Desvalorizou. Pegou no telemóvel e fingiu que nada era com ela.
Entretanto a visão periférica continua a manter a sensação de olhos postos no que está a fazer. Levanta a cabeça com certeza e olha em redor quando se depara com quatro indivíduos do sexo masculino - temos que lhes chamar assim, porque não há outro nome possível - especados a olhar para ela enquanto comem sabe-se lá o quê.
Olhos postos no telemóvel novamente só para garantir que não havia rede naquele lugar e na expectativa de demonstrar que não era nada com ela, aqueles oito olhos mantém-se postos no que está a fazer.
Calma lá! Mas será que de uma banal rapariga que se esqueceu de descongelar algo para o jantar, passou a mobília de museu?
Ao fundo gritam: "Senha 62 - Massa de Frango!"
Levanta-se. E os oito olhos percorrem todo o movimento.
Não resistiu e em tom firme, perguntou:
" - Desculpem, os senhores por acaso querem uma foto? Sinceramente..."
Foi buscar o pedido e sentou-se novamente no seu lugar.
E cá vos digo, quem virou museu foi o prato onde comiam. Certamente nunca apreciaram tão bem a sua comida como hoje, sem coragem de voltar a colocar os olhos no que quer que fosse dela.
Ser mulher não é ser objecto de apreciação. Dêem-se ao luxo de ser civilizados "indivíduos do sexo masculino a quem não sei que outro nome dar". Tornem-se HOMENS e honrem a vossa espécie.
Tirando isso a massa estava óptima! Diz ela.
Votos de um bom final de segunda-feira,
Patrícia Luz
10 de Abril 2017
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