Alfama, 1 de Março de 2019
Apesar das minhas viagens a Lisboa serem com uma periodicidade quase semanal, as mesmas são em trabalho e raramente acabo por aproveitar para fazer as coisas que mais gosto. Há cerca de duas semanas, o motivo que me fez deslocar até lá foi pessoal e, então, achei que seria uma óptima ocasião para fazer algo de que já tinha imensas saudades: ir a uma casa de fados, comer do que há de melhor da nossa gastronomia, beber um bom copo de vinho e assistir a uma das artes considerada património imaterial da humanidade cantada na primeira pessoa.
Depois de fazer algumas pesquisas, para antecipadamente reservar uma mesa para quatro pessoas, dei por mim a perceber que afinal esta não era uma arte assim tão acessível a todos e, confesso-vos, fiquei surpreendida. As mais belas casas de fado de Lisboa, que antigamente eram o ponto de encontro dos mais ilustres mestres da canção, como também, de outros, os aprendizes ou até os conhecidos por cantores de fado vadio, são agora salas de espectáculo também elas vendidas maioritariamente ao turismo que, ao que parece, as enche, seja a que custo for (enquanto assim for, compreende-se).
Confesso que depois de racicionar um pouco, talvez seja vendido ao preço merecido. Ao preço merecido de quem se esmera por apender a trinar uma guitarra portuguesa, por sublinhar as palavras da saudade e por dar encanto às ruas e ruelas dos bairros da nossa linda Lisboa. Ao preço merecido de quem canta às paredes para acertar a tom do fado de Amália ou Tristão da Silva.
O preço que pagariamos para assistir a uma opera em Viena, um desfile de moda em Milão ou um espetaculo de dança contemporânea algures pelo mundo.
Simplesmente, o preço merecido que o nosso misero salário médio português não comporta em muitos dos casos.
Há cerca de dez anos e meio atrás, o meu pai levou-me a uma noite de fados que até hoje me está na memória como se tivesse acontecido ontem. Inúmeros fadistas de renome cantaram a meio palmo dos meus olhos e, naqueles intervalos entre copos de vinho e pausas para descansar os dedos calejados, lembro-me de ter travado conversa com alguns deles, de entre os quais o guitarrista português Ângelo Freire e, na viola de fado, o Nelson Aleixo, que acabaram por nos fazer uma surpresa dedicando uma canção original à nossa mesa. Foi uma noite incrível!
Não me esqueço dela, porque foi a noite em que orgulhosamente me lembro de, por vontade própria, começar a ter prazer em ouvir fado. Tinha 15 anos e ainda só bebia água, porque para fazer feliz o meu pai, evitava pedir coca-cola (risos)!
Até aí, em todas as nossas viagens de carro, o meu pai colocava vários cd's de fado a tocar e chamava-nos - a mim e ao meu irmão - constantemente à atenção para o seu encanto. E porque como jovens crianças que achavam aquela música meio melancólica e nada a nossa onda, por vezes reviravamos os olhos sempre que exclamava "Um dia, vão-me dar razão! Os gostos com a idade vão mudando... e quando forem mais crescidos vão lembrar-se do que vos digo".
Não foram precisos muitos anos.
Naquela idade, eu acho que dizia não gostar, porque simplesmente tinha vergonha em dizer que gostava. Quem não? Porque no fundo, no fundo, eu já sabia as letras de cór. O mesmo acontecia com algumas canções do cante, que viera mais tarde a ser reconhecido igualmente como património imaterial da humanidade.
Isto para vos contar que, o meu desejo naquele dia era mesmo matar o bichicho de ouvir uma guitarra portuguesa, picar um choriço grelhado, saborear um caldo verde e, relembrar o meu pai, de que os anos passaram e ele tinha razão.
Não queria ouvir a Mariza, a Ana Moura, o Carlos do Carmo ou o Camané (embora fizésse todo o gosto). Queria só passar um bom serão à portugiuesa, sem ter que, como se costuma dizer, "vender um rim" ou "gastar uma nota preta". E foi por isso que pedi a ajuda do público lisboeta, pois não estava fácil encontrar um sitio que condizesse com o serão que queria passar.
Assim, para quem - como eu - queira passar um bom serão em Lisboa com os amigos, deixo duas sugestões que me foram dadas como sendo boas e económicas:
- Restaurante "Devagar Devagarinho" - Foi a minha primeira escolha, mas ao ligar para reservar disseram-me que agora?! Só em Abril. Infelizmente, não tive sorte. Mas tentem! Nunca se sabe! Pelos comentários que li parece ser agradável e localiza-se numa das transversais à Avenida da Liberdade :)
- Fado na Morgadinha - Foi onde consegui satisfazer o meu desejo. Uma pequena casa no coração de alfama, com petiscos, louça de barro, fado e um ambiente muito muito acolhedor mas simultâneamente descontraído. Tem um consumo mínimo de 10€ por pessoa, mas com esse valor conseguem adquirir bons petiscos, como o da foto acima. Recomendo reservarem e estarem lá por volta das 19h30 para conseguirem assistir ao maior número de actuações! :) Todas estas fotografias foram tiradas lá!
Sobre o "Fado na Morgadinha":
Existem períodos de luz apagada em que são realizadas as actuações - onde o silêncio é imperativo -, e momentos em que a luz sobe para poderem petiscar e conversar.
Foi muito engraçado, porque a determinada altura, a mesa ao nosso lado foi ocupada por um grupo de italianos que, no seu pouco inglês, nos foi perguntando o que significava para nós, portugueses, o FADO. O que diziam as letras, o que significava saudade, porque tinham as músicas um ar triste....
Foi muito bom poder partilhar um pouco da essência da nossa cultura com aqueles que nos visitam enriquecendo a sua noite, como a nossa também!!
Se também são amantes de fado e querem passar um bom bocado, corram para estes lugares!
Espero que tenha sido útil e bons serões!!!
Beijinhos,
Pat
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