domingo, março 22

O que é que a COVID-19 nos veio ensinar?


A correria das nossas vidas roubava-nos o tempo. 

O metro amontoava rotinas. 
Em hora de ponta, pessoas atropelavam-se para ver quem chegava primeiro ao piquete de saída. O mundo rodava mais um pouco, o sol punha-se no horizonte sem que ninguém o apreciasse e o jantar de mais um dia encontrava-se por fazer. Os trabalhos de casa dos mais novos esperavam o ralhete dos pais, exaustos e sem paciência alguma para lhes dedicar um pouco de si mesmos. O jantar prosseguia em silêncio, muitas vezes de telemóveis em punho.  

No fim do mês passado, como em muitos outros finais de mês, escritórios transformaram-se na casa daqueles trabalhadores que, para garantirem o seu desempenho profissional, a imagem e o seu bom nome, cuja maior parte dos casos não é reconhecida nem tão pouco recompensada, descuravam as suas vidas em prol do fecho de contas da empresa que lhes impõe prazos, mas que se esquece sempre do aumento salarial merecido. 

No fim de semana passado, o tempo voava. Tínhamos cinco dias para fazer planos - no pouco tempo que nos sobrava -, e dois para os cumprir. Sem esquecer que a roupa não se lava, nem passa, sozinha. E infelizmente, a casa também não se arruma por si só.

A distância dos familiares estava tão perto quanto nos apetecesse, mesmo que isso significasse apanhar um avião e viajar durante uma ou duas horas. Abraça-los era uma questão de vontade, embora tantas vezes deixada para depois. Depois abraçamos, depois beijamos, depois passamos por aí.... Porque  no final de contas?!... Eles estarão lá, naquele lugar, de braços abertos à nossa espera, passe o tempo que passar. 

Um dia de sol convidava-nos a passear. 
Cada um de nós com as suas preferências. Os caminhos que escolhemos levam-nos a tantos lugares.

À praia, ao jardim, ao shopping mais próximo; àquele lugar secreto que entendemos só nosso. Ao restaurante que nos envolve em sabores, ou àquele piquenique em família de que nos vamos lembrar no próximo Natal. Sem esquecer as viagens programadas ao pormenor para o outro lado do mundo, naquelas férias que tardaram em chegar. 

As línguas, as raças, a multiculturalidade eram tantas vezes uma barreira na nossa comunicação. Motivo de ódios e descriminação. 

A correria das nossas vidas roubava-nos o tempo. 

O tempo para o que é verdadeiramente essencial. O tempo de ouvir as ondas do mar rebentar, o tempo de parar e abraçar os nossos filhos no final de mais um dia, o tempo de agradecer por mais um pôr do sol no horizonte, bem como a arte gratuita que nos é oferecida todos os dias no céu. 

O tempo depois do trabalho a que deveríamos ter direito às nossas vidas, sem deixar em causa o nosso profissionalismo. O tempo que vivêramos à pressa porque a seguir é segunda-feira. 

O tempo para nos dedicarmos aos nossos entes queridos. Porque na verdade, ele foge e, às vezes, é tarde demais. O tempo para vivermos os lugares que fazem cada um de nós felizes. Com calma. Sem pressas.... 

A correria das nossas vidas trouxe-nos para casa. 

De repente, os metros já não enchem. Os escritórios estão vazios. As contas das empresas ocupam o segundo plano. Os lugares que amamos, ficaram do lado de lá da porta. Já não podemos ouvir o som das ondas quebrar, embora, por sorte, o céu ainda nos traga o pôr do sol. Os sinais luminosos da avenida, mudam de cor sem que ninguém os espere. As coisas que comprávamos em excesso, já não nos fazem tanta falta assim. De repente, os nossos entes queridos ficaram excessivamente longe, mesmo que morem ao nosso lado. Inevitavelmente, o mundo comunica a mesma língua. Unem-se culturas, unem-se raças, unem-se esforços. Brancos, pretos, índios, chineses, muçulmanos ou cristãos, entre outros, são tratados simplesmente como pessoas. O tempo já não voa. O tempo passa mais devagar. No ritmo certo, talvez.

Os pássaros fazem-se ouvir nas ruas. Não porque não se fizessem ouvir antes, mas porque a correria das nossas vidas não nos permitia ouvir música boa. Dizem os entendidos, que quando perdemos um sentido, apuramos outro, não é verdade?

Os aviões libertaram os céus. Os navios atracaram nos portos. 
As fábricas deixaram brilhar os céus de azul. E o ar ficou agora mais leve. 

A correria das nossas vidas roubava-nos o tempo. A correria das nossas vidas, trouxe-nos para casa.
O que será que ser tão pequenino e invisível nos veio ensinar?  

Não foram precisas guerras. Armas. Ou fogo. 
Não foram precisas granadas, pólvora ou sangue. 

De repente aprendemos A VIVER. Em igualdade. 
A estimar cada dia das nossas vidas, com saúde. 
A estimar cada pessoa, com o valor merecido.
A AMAR, mais, melhor e devagar. A nós próprios, à natureza e ao que nos é concedido todos os dias. 
A AGRADECER. 
Especialmente O TEMPO que a correria das nossas vidas, nos tem roubado. 

Um beijo de esperança, 
PAT 

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